Amizade verdadeira
Murilo Bondezan e Fernando Amado
“Vem já, já a nossa casa;
Preciso falar-te sem demora.”
Machado de Assis
Enxuguei os olhos com aquela mistura de raiva e imoralidade. Já não mais via como uma perda. Mas sim agora como um renascimento. Como conseguiras fazer uma coisa igual? E ela e seu leito, com vergonha... Sem amor.
Aquele dia ela saiu sem dar notícia. Só me deu um beijo e se perdeu no vasto pôr do sol, onde minha janela já não conseguiras mais acompanhá-la.
A casa ficou silenciosa. Cada palavra se perdia na imensidade. O sol já não estava mais para brilhar. Ouvi alguns ruídos. Achei estar louco.
E então ouvi aquilo.
-Desculpe-me, cheguei sem avisar - disse meu velho amigo de escola, Camilo
-Não me importo.
Muitas outras palavras foram bebidas por nós. Já nos conhecíamos há muito tempo, já contava mais de oito. Amizade nos deixara íntimos, Camilo, Rita e eu.
Rondamos minha casa, falando sempre de meu amor. A cada palavra seus olhos cresciam ainda mais. Olhando as cortinas rendadas falei sobre sua roupa. Indagou-me sobre a cor. Respondi com toda certeza.
Estranhei aquele fato, mas deixei passar. Continuávamos a perambular sem destino. E nos olhávamos com estranheza. Naquele jogo de perguntas e respostas. Comentei sobre nossa vasta janela.
- E seus olhos? Continuando brilhando após a noite?
Sem saber o que comentar, ele continuou.
- Que estranheza é essa em seu olhar?
Envergonhado afirmei, e sem saber o que iria perguntar, foi embora.
Rita chegou como se fosse um raio de sol. Envergonhada por perguntas sem respostas.
-Não claro que não, eu te amo.
Agora aquele que dizia ser meu amigo, já não me via mais. Não recebia suas letras e palavras. Mas Rita ainda o via fora de meu olhar. Cada vez que o via, ele só dizia não poder conversar, não poder me cativar. Mas mesmo assim, eu ainda tinha assuntos a serem resolvidos.
- Por que tem ido à cartomante?
- Dúvidas.
-Mas e meu amigo Camilo, como tem andado?
- Bem, a cada dia está mais bonito, me deixando mais maravilhada.
Coisas foram derrubadas, riscando nosso chão de madeira. Quebrando nossas cadeiras. E cada passo, uma vela se apagava. No fim, Já não a via mais.
Escrevi sem demora uma carta a Camilo. Um pouco redobrada, um pouco rabiscada. Escrevi minhas singelas palavras de um jeito rápido.
"Vem já, já a nossa casa: preciso falar-te sem demora".
E então a carta se foi. Mas eu ainda estava lá, no breu absoluto. Não sabia o que pensar. Nem como poderia me agüentar. Aquele cheiro me dava náuseas. Mas onde estava meu amigo...
- A mim e ela - Camilo dizia
E ele estava lá a zombar de minha cara. Só pensava em apertar os pés da cadeira, e esperar e receber a resposta. A cada palavra seus olhos pareciam maiores. Sua respiração ofegava mais. Tirava e recolocava seu chapéu. Batias os pés com rapidez.
Limpava minhas mãos, tentando tirar aquele cheiro vulgar. A casa estava quieta, sem saber o que pensar de mim. Pensei em fugir. Mas não, não tinha respostas para minhas indagações.
- Pergunte ao seu coração - a cartomante perguntava a Camilo.
Então Camilo tirou dez mil réis e o gastou com toda felicidade. Assim saiu sem demora, para o encontro esperado. Já não ouvia mais “preciso falar-te sem demora”, palavras do amigo. E sentiu um olhar de tristeza, mas não podia saber de onde vinha.
Bateu na porta com força, querendo chamar minha atenção.
- Desculpe, não pude vir mais cedo, o que há? –ele disse para mim.
Ele fechou a porta e continuei com meu voto de silêncio. Ele abriu a porta de meu quarto, e sentiu um aperto no coração. Viu sua amada deitada sem vida. Não sabia o que dizer, não sabia o que pensar. Tentou chorar, tentou correr. E eu com dois tiros de revolver, três corpos descansavam em paz...
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